19.12.12

Aventura na Ferrovia do Trigo


No feriadão do dia das crianças, eu e mais dois caras fizemos uma volta pela Ferrovia do Trigo. Saímos de Lajeado, e retornamos a Lajeado. Sendo bem curto, pois estou com sono e deveria estar estudando, foi muito bom. Foi fisicamente exigente, mas agora entendemos melhor o que é cicloturismo. Agora sabemos como as bicicletas ficam pesadas, como 75% do caminho são subidas, como devemos economizar água e pensar nos detalhes de abrigo. E adorei acampar sem barraca, e me senti super seguro. Na minha mente, eu divido a viagem em 5 partes: Lajeado-Vespasiano (60km, asfalto, manhã), Vespasiano-Acampamento (20km, terra, tarde), o acampamento em si, Acampamento-V13 (10km, trilhos, manhã) e V13-Lajeado (50km, terra e asfalto, tarde). E vamos aos destaques de cada parte.
E caso sintam-se perdidos, acompanhem no google maps, até onde conseguirem. Mas não vai fazer muuuita diferença. E mais fotos aqui. :)


 1ª- Durante a manhã, fomos até Vespasiano Correa. Até Muçum, o caminho era conhecido de outros Audaxeses, então pareceu bastante curto, para mim. No entanto, após Muçum, até Vespasiano, além de estrada desconhecida havia uma subida de uns 5 km, ou mais. Como estávamos perto do almoço, energias meio em baixa (eu havia comido um sorvete em Muçum, mas os outros tomaram apenas um suco de laranja) e sol a pino, a escalada foi bastante complicada. Sem contar que a distância esperada até o pórtico da cidade era menor, então subíamos com a constante apreensão de talvez termos que voltar. No fim das contas, era só seguir adiante mesmo. "Só." Após essa subida gigantesca (aprox. 1 hora, pelo intervalo entre as fotos), havia uma descida esplêndida, da qual não lembraria se não estivesse fazendo essa varredura linear da minha memória. E sem querer me meter na vida de ninguém, mas por mais que passem muito tempo suando nas subidas, aproveitem o máximo que puderem as descidas. Por mais curtas que sejam, o vento na cara não tem preço, e deveriam ficar na memória para sempre. Após, chegamos até uma praça da pequena cidade, por sua bela e inclinada via de entrada. Inclinada como? Para cima, óóóbvio.

2ª- Alguns sanduíches, chocolates, ameixas (roubadas) e pães-de-mel depois, nos preparamos para (per)seguir a estrada novamente. E aqui um parêntese para reflexão: O quão fantástico é estar em um lugar onde há torneiras do lado de fora das casas, prontas a gentilmente saciarem a sede de algum eventual vagamundo? E por aí tivemos nossos primeiros indícios de que faltaria água mais tarde. Essa segunda parte da jornada é meio estranha de se descrever. A linearidade do tempo ficou cochilando no banco da praça do almoço, e tudo o que se seguiu de tarde foi uma mescla de subidas, paradas para comer, paisagens fantásticas, leituras do mapa em encruzilhadas, subidas, descidas de tirar o fôlego (tanto pela atenção à estrada pedregosa quanto pela paisagem q desfilava por nós), paisagens, natureza, comida, coletas de água e informações,  suor, empurrar a bicicleta, fotografar a natureza, pontilhões sobre arroios cristalinos e 4 horas, 20 km e muitos retornos e correções de rota depois, eis que nos espera, quietinho, o trilho. Ah, a beleza de não precisar usar mapas! Ah, a simplicidade de ter que seguir apenas um caminho, sem escolhas a fazer, sem subidas ou descidas! Ah, a certeza de que chegariamos no destino apenas seguindo cegamente aquele caminho, firmemente cravado no chão e nas nossas mentes! E, apesar da ironia, era exatamente o que precisávamos no momento, famintos e cansados, e abraçamos a ideia sem a menor culpa. Para comemorar, avaliamos o viaduto pelo qual passaríamos, enquanto meu irmão consertava o pneu que furou no momento em que vimos o trilho. Emoção, sei lá. Remendada a situação, nos pusemos atrás dos guidões mais uma vez, e com cuidado transpusemos o viaduto chamado de "Metálico", porque é feito de metal (aé?). Com cuidado (e tesouras sem pontas, mas sem supervisão de adultos), pois não há cerca de proteção. Ou chão sob os dormentes, espaçados por uns 25cm, talvez. E foi muito interessante empurrar a bicicleta carregada, fazendo "tuc,tuc,tuc,tuc" nos buracos entre os dormentes e observando a paisagem que nos envolvia até mesmo por baixo enquanto anoitecia. Confesso que, mesmo sabendo pela própria estação ferroviária que o trem só passaria no meio da noite, passei os 300 e tantos metros da travessia bolando um jeito de me abrigar rápido nas pequenas plataformas de aço penduradas ao longo da ponte, caso fosse necessário. Um morador da região veio nos mostrar a área, oferecendo abrigo em um espaço próximo ao  viaduto, mas preferimos seguir adiante, para montar o acampamento em algum local mais isolado. Empurramos por um túnel pequeno, mais uns viadutos pequenos, sem espaço para acampar e mais um túnel comprido. Quando entramos nesse último ainda podia se considerar como claro. Quando saímos, estava escuro. Logo depois havia mais um viaduto, e entre o túnel e ponte, uma espécie de clareira, inclusive com sinais de acampamentos prévios. Nos acomodamos, fizemos fogo, com uma certa dificuldade para encontrar lenha seca, preparamos a comida com a ajuda de um fogareiro à gás e fomos dormir. Assim, sem maiores detalhes, pois foi o q vi e senti no escuro, cansado, após um dia memorável.




Interlúdio (3ª)- Houveram algumas lutas com o saco de dormir durante a noite. Dentro, muito quente. Fora, insetos sanguinários. Eis que, em um desses momentos semi-despertos, algo acontece. Um ruído longínquo, que a princípio quase não está lá, cresce em algum lugar. Quando fica claro que o túnel é a origem dos sons, cutucões e sussurros para lá e para cá: "Acordem, o trem, acho que é o trem!". E os três, apoiando-se em seus cotovelos, permanecem em silêncio enquanto os poderosos farois iluminam praticamente toda a clareira, acompanhados pelo trovão do motor diesel. Quando a locomotiva some, alguns vagões (10, 15?) ainda podem ser vistos, mas momentos depois a noite voltou a abraçar o acampamento, enquanto ainda passavam muitos vagões, rangendo e rangendo. Enquanto os últimos vagões passam, o gigante ainda buzina algumas vezes. Para quem seria? E a quietude que segue é interrompida por mais sussuros: "Passou? Quantos vagões vocês contaram?". Uma hora ou duas mais tarde, o mesmo espetáculo, dessa vez em sentido contrário. O que mais me impressionou foram os farois. Melhor: o modo como os farois fizeram a noite fugir, a noção de que estávamos acampando em um local aberto. Enquanto estava escuro, o mundo além do que minhas mãos alcançavam simplesmente não existia.


4ª- No dia seguinte, acordamos às 5h, aproximadamente, um pouco antes do sol nascer, mas já claro. Aquecemos o resto da janta, o que rendeu uma porção e um pouquinho para cada um, e fizemos uma panela de chá. A massa ainda estava boa, mas o chá, além de ter ficado meio gorduroso por causa das louças 'limpas', demorou um século a ser feito. Péssima ideia, a meu ver. Pelo menos não tínhamos muita pressa. Enquanto os outros foram lavar os utensílios de cozinha na água que caía do teto do túnel, comecei a arrumar o acampamento e fui tirar umas fotos. Meu irmão ainda consertou um pneu que furou nos últimos metros do último túnel e giramos os pedais novamente às 7 da manhã. 2 horas para se arrumar é muito? Ali não fez diferença, mas levando em consideração que nem barraca tínhamos, isso foi bem lento. Ainda fizemos algumas cagadas, como deixar as roupas expostas durante a noite, pois ficaram completamente molhadas e tivemos que gastar um tanto de tempo para secá-las na fogueira (uma camiseta inclusive pegou fogo). Acho que poderíamos ter ficado prontos na metade do tempo.



A pedalada de onde estávamos até o V13 foi bastante alegre, a meu ver. Não tínhamos como errar o caminho, a paisagem era linda (pois a estrada de ferro corre na beira de uma encosta, e o rio Guaporé serpenteia lááá embaixo, num vale verdíssimo), o sol brilhava mas sem fazer calor, estávamos descansados e alimentados e todo o negócio de pedalar em trilhos e túneis e terras de ninguém adicionava um clima bastante nômade à nossa situação. A única preocupação - se é que podemos chamar por tal - era nossa água, já que saímos do acampamento com apenas meia caramanhola. No caminho ouvíamos aqui e ali algumas cachoeiras, todas meio escondidas e de difícil acesso, o que nos fez esperar aparecer um lugar melhor. Que não tardou a chegar, aliás. Às 8:40 e uns túneis depois, encontramos uma cachoeira que provavelmente foi alterada pela construção dos trilhos. Um buraco enorme, com uns 2m de diâmetro, fazia a água correr por baixo dos trilhos, e uma plataforma/muro de concreto mantinha a estrutura toda em pé e facilmente transponível sem sujar com terra nossas unhas recém aparadas. Reabastecidos, seguimos o suave caminho dos dormentes, com o harmonioso clangor de panelas sempre nos nossos ouvidos. Foi possível pedalar na maioria do trilho, às vezes pela brita da lateral, às vezes pelo meio, por cima dos dormentes. De vez em quando, quando estávamos cansados do barulho, quando a lateral do trilho era muito inclinada ou quando o espaço entre os dormentes não estava recheado de pedrinhas, empurrávamos as bicis por cima do trilho, na parte de metal. Se a bicicleta estiver (mais ou menos) alinhada, é só manter a roda dianteira sobre o trilhozinho que a traseira segue. Sem um barulhinho. Nos últimos túneis, nossos olhos já não se importavam mais em olhar fixamente para o estreito facho de luz gerado por nossos farois, e pedalar a 20km/h enxergando uns 10% do que enxergaríamos fora do túnel se mostrou possível, apesar de duas ou três colisões leves e várias quase-quedas na valeta da beira da estrada. Nos mantivemos praticamente sempre à direita do trilho, onde havia uma faixa de brita sinuosa, porém larga o suficiente para uma bicicleta meio bamba passar sem muuuitos problemas. Às 9:15 da manhã chegávamos ao V13, prontos para o primeiro lanche e tentativas de comunicação com pai e mãe (estavam por ali caminhando em algum viaduto, na mesma direção que a gente). Trecho facílimo, se puderes desconsiderar o treme-treme dos trilhos.

5ª- Descemos dos trilhos, voltamos à estrada e começamos a retornar a Muçum. Seguimos o rio, e portanto quase não enfrentamos subidas. Um dia inteiro sem lombas, já que os trilhos também são 'planos'. Avistamos o 'pessoal de terra' em um viaduto, nos comunicamos por rádio e continuamos nossa volta, enquanto ligávamos para alguns familiares para marcar um almoço no quiosque que há logo depois de Muçum. Lá chegamos pelo meio-dia, comemos fantásticas alaminutas e, com a sensação de já ter chegado no fim, partimos novamente na monótona combinação de barriga cheia, sol forte e caminho conhecido. Ao menos as bagagens ficaram no carro no almoço, e nossas subidas foram melhores. Queria verificar nas fotos a hora em que chegamos em Lajeado, mas o caminho era tão batido que não houveram fotos desse último trechinho, mesmo que não tenha sido tão curto assim.



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Espero que tenham gostado, e se quiserem, podem continuar aqui.

e.

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