11.5.13

A Lenda do Bandido

ou "A Estranha Origem das Seguradoras".


Algo tem me intrigado recentemente. Em geral, se pode usar exemplos extremamente simples para a origem de elementos do nosso cotidiano. Dinheiro: mais fácil de carregar do que pedras ou cocos; escrita: um bom meio para gerar mensagens duradouras;  religião e ciência: explicam a realidade, e por aí vamos. Tenho pensado bastante, mas ainda não consigo achar uma necessidade básica q tenha favorecido o aparecimento das companhias de seguro, da forma como se apresentam hoje. Imagine os dois seguintes casos:

     1 - Alguém aparece e me diz "Ei, amigo! Te pago uma certa quantia periodicamente, e se alguma coisa acontecer a algum dos meus bens, tu pagas outros, ok?" Suspeito, não?

     2 - Alguém aparece e me diz "Ei, amigo! Me pagas uma certa quantia periodicamente, e se alguma coisa acontecer a algum dos teus bens, te pago outros, ok?" Também suspeito. Não costuma acontecer nada com meus bens, ultimamente...

Faz bem mais sentido - e até é mais bonito - o caso dos comerciantes chineses, que ao viajarem juntos dividiam sua carga entre os barcos de todos. Se um afundasse, todos perderiam um pouco, mas nenhum perderia tudo. Mas a partir de quando deixou de ser proteção mútua e colaborativa e passou a ser um negócio, a dar lucros a um certo grupo de indivíduos?

Pois fiquem com um texto interessante, copiado descaradamente do livro Costumes Madrileños: Notas de um viajante, digitalizado gentilmente pelo projeto Gutenberg.

"O bandido!... Mas quem o não conhece? Elle, o maganão, o seductor, o adultero, o perverso, elle tem vivido sempre e sempre impune, sempre ironico, sempre chasqueador, sempre rapaz, sempre diabo. Com mil granadas! Que sublime ratão... Houve quem lhe chamasse "espirito das trevas"; houve tambem quem o appellidasse com o epitheto de carne, de Satan, de magico, de serpente, de lagarto e não sei tambem se de "D. Juan", se de Mephistopheles, se de Falstaff. E é que elle realmente tem esse condão. Todos os dias se renova, renascendo das proprias cinzas, como a phenix mythologica, mudando de pelle como qualquer simples giboia, usando barba postiça, como um grotesco que é, e dando-se os ares frescos e traiçoeiros de velha rapoza, já useira e veseira nos altos assumptos de quem tem o olho em Deus e a unha no proximo.

Não! Elle não é simplesmente o palerma namorador, que, á meia noite, de guitarra em punho, vai desferir uns estupidos landuns, mal tocados debaixo da janella da sua pallida amante; tambem não é apenas o ebrio impenitente, que, pela madrugada, carregado de vinho e de tosse, corre as ruas num tropego cavallo de aluguer, atropellando quem passa e vomitando injurias _aguardentadas_ sobre a honestidade de quem trabalha. Porque, sendo tudo isto, o nosso typo tem, todavia, uma feição proeminente, feição grave, enormissima, que ninguem jámais lhe poderá disputar. Oh! sim, só elle é o bandido por excellencia, bandido de casaca e luva branca, mas bandido de alma larga e coração esperto, emquanto a mim o peior de todos os bandidos.

Cautella, meu fidalgo, que nós já te conhecemos. Tu, que não duvidaste vestir a farda de imperador; tu, que tens levado as insignias da realeza até á crapula dos bordeis; tu, que enlameaste o teu brazão ao contacto effeminado da fadistagem de navalha e faixa encarnada; tu, meu politico, tu, meu banqueiro, tu, meu villão, é que verdadeiramente és o rei do mundo, porque te falta a vergonha e a decencia. Eu queria fazer de ti um Sancho Pança, mas Sancho é gordo e póde cair na embuscada; não, não serás Sancho, nem D. Quixote pela razão opposta; mas o que tu podes ser realmente é um Claret--um Claret sem corôa, de olhar mellifluo, doce no dizer, suave na convivencia e insinuante nos modos. Que o jesuitismo esteja descançado emquanto a nós. Unicamente nós pedimos licença a suas reverendissimas para pegar num dos seus mais respeitaveis membros, para o virar, para o revirar, para lhe dar umas palmadinhas no ventre; e feito isto, para o despedir com um piparote--tal qual, como se faz a um boneco de papel. E nada mais. Depois nem sequer pensaremos em similhante entidade. Tentaremos dormir sobre o caso, fazendo cama--e que boa cama!--de tão beatificas proezas.

Agora o touro que saia: bandarilhas na mão e firmeza no pulso.

Era uma vez um paiz, rico, poderoso, rodeado de magnificas paisagens, realçado pela formosura de mulheres peregrinas, e dominado pela ambição de politicos tresloucados. Um dia, porém, o sol, que era ardente, trouxe á cidade febres incuraveis. Adoeceram, então, os estadistas; e no delirio da doença cousas espantosas e horripilantes se começaram a ouvir de suas bôccas evangelicas. A febre tomou-os dos pés á cabeça; e então--ó céus!--doidos, perdidos, alucinados, elles, os doces, elles, os virtuosos, elles, os santos, que precisavam de saude e de vida, porque estavam mal, inventaram uma cousa muito melhor do que a _agua circassiana_, muito melhor ainda do que a _Revalescière du Barry_... elles deliberaram segurar as vidas em perigo.

E a população mecheu-se activa, energica, em favor de tão alta instituição. Estava salva a patria. Contra o abysmo, que a perseguia, contra o diluvio, que a ameaçava, tinha o governo tambem inventado a sua arca santa--as companhias de seguro de vida. E sem embargo, os typhos, as bexigas, os sarampos, as erysipellas não haviam desapparecido da terra. O paiz continuava a soffrer as suas doenças, a alimentar rivalidades no seu seio e a prestar-se como sempre ás mil intriguinhas da côrte.

Vai então o bandido amigo, irrequieto e nervoso, começa de farejar novas vias de exploração.

--Nada! dizia elle. Segurar a vida é pouco; é preciso tambem segurar o capital. Mãos á obra!

E formaram-se os bancos e as casas bancarias.

Mas bandido--manhoso tinha já propensões para abusar. A policia ia-lhe sempre na pista. Todavia, elle, o heroe, elle não descansava nunca.

Ah! bandido! ah! brejeiro!

Ainda era pouco. Claret tinha a ambição louca e avara de um Shylock hespanhol. Queria ser rico, queria jogar, queria amar, queria divertir-se. E para tudo isso era preciso inventar, ser original, ter idéas.

Crearam-se os bancos; o credito, porém ficou o mesmo, isto é, um pouco peior do que estava. O paiz não melhorava a sua riqueza publica. Então o governo pensou comsigo mesmo e disse:--Maldito bandido!--sempre desassocegado e criança: por Deus, cautella! nem mais um passo...

E bandido--esperto abriu o olho e principiou a ver, ao longe uma cousa que lhe fallava em inscripções e em fundos publicos. Olé! Olé! Cá está a incognita! A elles, aos fundos publicos!

Ao que o sr. Salaverria sorriu ironicamente, como querendo dizer:--Espera maroto, que te escacho!

E assim foi.

Bandido foi já derrotado na politica, no commercio, na industria, na economia, nas artes e nas sciencias. Mas apesar de tudo elle não descrê. É forte, tem bom pulso, jámais teve uma dôr de dentes e nunca cortou os callos, porque tambem nunca os teve. Abençoado patife! Creado nas montanhas e industriado nas altas tricas da politica, elle só espera momento opportuno para tornar a apparecer em campo.

E depois hão de vel-o. Pois julgavam que elle era sujeito para se curvar a qualquer Salaverria? Enganaram-se.

Nem a Salaverria, nem á honestidade. Unicamente elle tem em vista--alcançar os seus fins sejam quaes forem os meios.

E assim é a Hespanha na sua evolução social.
 

Ah! Machiavel! ah! bandido!"

e.

P.S.: Na verdade, está tudo explicadinho aqui.

P.P.S.: Fazendo umas continhas ligeiras aqui, se fosse feito um seguro pelas minhas bicicletas no momento em que foram compradas, já teria gasto duas vezes o valor de uma e mais da metade do valor de outra, sem necessitar dos serviços da seguradora, já que manutenção não é coberta.

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